Recuperação económica em Portugal

Recuperação económica em Portugal

A recuperação da economia e das empresas na melhor das hipóteses irá começar no início do segundo semestre deste ano. Na pior, só no final do ano ou início de 2021. Tudo vai depender da duração, intensidade da epidemia e capacidade de achatamento da curva para conter o número de casos. A crise, por ser externa e por atingir o mundo inteiro, afeta sobretudo as atividades que estão mais expostas à evolução da economia mundial e ao ritmo de recuperação dos principais destinos das exportações nacionais e, claro, dos países que alimentam o turismo com peso crescente nos últimos anos. Este é o setor com impacto imediato mais violento e será o que mais devagar deverá sentir a sua retoma. A desconfiança e o medo dos turistas serão o principal motor (ou travão) de deslocações internacionais, mesmo que os governos aliviem as medidas de confinamento.

Nos últimos tempos, têm sido anunciadas, pelo governo português, diversas medidas, excecionais e temporárias, relativas ao impacto na economia da epidemia do Coronavírus – COVID 19. Tais medidas visam, essencialmente, a atribuição de apoios de caráter extraordinário, destinados aos trabalhadores e empregadores afetados pelo surto do vírus COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e mitigar situações de crise empresarial.

Medidas de apoio às empresas

O Conselho de Ministros aprovou um conjunto de medidas destinadas a assegurar a mitigação dos impactos económicos, quer do lado do apoio à tesouraria das empresas quer da proteção dos postos de trabalho, nomeadamente através da criação de:

·         Linha de crédito de apoio à tesouraria das empresas de 200 milhões €;

·         Linha de crédito para microempresas do setor turístico no valor de 60 milhões €;

·         Lay off simplificado: Apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho em empresa em situação de crise empresarial, no valor de 2/3 da remuneração, assegurando a Segurança Social o pagamento de 70% desse valor, sendo o remanescente suportado pela entidade empregadora;

·         Bolsa de formação do IEFP;

·         Promoção, no âmbito contributivo, de um regime excecional e temporário de isenção do pagamento de contribuições à Segurança Social durante o período de lay off por parte de entidades empregadoras;

·         Medidas de aceleração de pagamentos às empresas pela Administração Pública;

·         PT 2020.

Olhando para o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e legislação avulsa relativa a estes temas, algumas ideias poderão ajudar as empresas que, por força da situação excecional que vivemos, fiquem em situação de insolvência iminente, ou mesmo de insolvência atual.

Assim, desde logo, em matéria de insolvência, há uma medida excecional e transitória que, à imagem do que foi já anunciado pelo governo alemão, parece fazer todo o sentido transpor para Portugal:

·         Suspender a obrigação de apresentação à insolvência, sempre que, cumulativamente, a situação económico-financeira da empresa resulte dos efeitos do COVID-19 na economia e esta empresa tenha, ainda, condições de recuperar, nomeadamente por via da negociação de um acordo com os seus credores. Esta medida que, à primeira vista, poderia supor-se pouco relevante, não o é, na medida em que, de acordo com o CIRE, quando uma empresa esteja em situação de insolvência, deve pedir a declaração da sua insolvência pelo tribunal, sob pena de qualificação da insolvência como culposa, com tudo o que acarreta, em termos de responsabilidade para os administradores, inclusivamente de natureza criminal.

·         Provavelmente, ainda mais importante que a medida referida no parágrafo anterior, são as alterações, transitórias e excecionais, que poderão ser introduzidas no regime do Processo Especial de Revitalização (PER) e do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE). No âmbito destes dois instrumentos de recuperação de empresas, existentes em Portugal, mostra-se, importante desobstruir, com respeito pelos direitos e interesses dos credores, o recurso pelas empresas ao PER e ao RERE e, bem assim, a aprovação de planos de recuperação.

Nesta situação de crise provocada pela epidemia COVID-19, outras e, possivelmente mais pertinentes, medidas transitórias poderão ser criadas em matéria de reestruturação e insolvência de empresas. O importante, em qualquer caso, é agir rápido, conferindo aos empresários todos os instrumentos que lhes permitam continuar a gerar riqueza, evitando-se, desta forma, a destruição de postos de trabalho.

O que fazer para melhorar o progresso de recuperação da crise?

No curto prazo há que pensar no relançamento da economia no momento imediatamente a seguir ao alívio das restrições ao funcionamento dos mercados. O governo português elegeu o sector do turismo, restauração e viagens como os prioritários a apoiar (agora os apoios são já alargados a todos os setores de atividade).

·         O sector do turismo não é apenas prioritário para a manutenção da capacidade instalada e dos postos de trabalho durante a crise, mas é-o também pelo facto de previsivelmente o fim da pandemia coincidir com o início da época alta do turismo em Portugal. Tendo este sector um peso significativo no PIB nacional parece avisado que sejam garantidas as condições essenciais para o seu funcionamento pleno em Junho, Julho, Agosto e Setembro, minimizando assim o valor negativo previsível para o crescimento do PIB português em 2020.

·         A longo prazo, as medidas essenciais são outras e não é possível escapar ao tema das reformas estruturais que podem estar na esfera do Estado português e ser promovidas independentemente das medidas europeias. O vírus COVID-19 trouxe consigo um dos maiores inimigos da atividade económica, a incerteza. A incerteza está presente em relação ao efeito e à duração das medidas restritivas, e também em relação a uma eventual segunda onda pandémica. Há que criar uma maior certeza nos agentes económicos, atuando em vários domínios.

·         É necessário tornar a justiça mais eficiente, não obstante a melhoria dos indicadores nos últimos anos. Cerca de 250 dias para resolver um caso civil ou comercial na primeira instância (segundo o The 2019 EU Justice Scoreboard) dá ainda muita margem para melhoria. Para além disso, mesmo com esta melhoria, Portugal continua a meio da tabela dos países europeus. Se queremos recuperar da crise e também sair de forma sustentada da trajetória de estagnação em que Portugal tem estado desde 2000 (em média), então temos que fazer muito melhor que os outros, não basta sermos medianos.

·         É preciso que o país tenha um quadro fiscal estável, muito mais longo que as legislaturas de 4 anos. Reduzir a incerteza para aumentar o investimento (interno e externo) é manter o quadro fiscal estável – mais do que cortar impostos, é necessária certeza nos impostos. Não é benéfico para suportar uma estratégia de crescimento de longo-prazo que cada governo altere o IRC, mais que o faça até em cada Orçamento do Estado.

·         Um aspeto essencial para uma maior certeza para os investidores (e para os agentes económicos em geral) é que o Orçamento do Estado se resuma ao essencial do que é a afetação da receita (corrente) à despesa (corrente) e esteja ele próprio submetido a leis mais gerais (leis de investimento público, leis de contratação pública, etc). Só assim ele não será mais um elemento de incerteza, fruto de negociações avulsas no parlamento e que mudam a cada momento. Tem sido comum em Portugal que o OE seja um elemento de incerteza para a atividade económica, todos os anos. Isto é claramente nocivo para o investimento (quer o nacional e ainda mais o estrangeiro).

·         Sendo o capital humano, como o investimento em capital físico, um motor de crescimento económico, é também necessário que a sociedade portuguesa assente um (ou vários) modelo(s) de escola e que o(s) mantenha estáveis ao longo do tempo. Embora também aqui tenha havido progressos nos resultados internacionais (i.e. testes PISA) desde 2000, houve um abrandamento nesse progresso nos últimos resultados que é preciso entender e reverter.

·         Por fim, o financiamento público à investigação, quer o que é destinado às empresas quer o que é destinado aos investigadores (nas universidades, por exemplo) ou a parcerias entre ambos, não pode também estar sujeito à incerteza que o tem caracterizado. Os investigadores não conseguem antecipar com um prazo razoável quando será lançado o próximo concurso da FCT em determinada área (nem aquela que é para todos os domínios científicos, nem aquela que se destina a financiamento de unidades de investigação e que deveriam ter um prazo específico, conhecido, estável).

Nos últimos anos a sociedade em geral, e algumas organizações em particular, têm desprezado profundamente o conhecimento e a cooperação. Contudo, esta enorme crise de saúde pública, com consequências económicas inimagináveis, não pode ser resolvida sem quebrar esse paradigma. Esperemos que este momento crítico que vivemos, pela sua singularidade, sirva como ponto de partida para que as organizações/países possam ser geridas com base nesses princípios e não sirva, tal como aconteceu em crises anteriores, para “branquear” a incompetência daqueles que, gerindo de forma ineficiente/negligente as organizações/países, fragilizaram o “sistema imunitário” da estrutura económico-financeira.

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